Carlos Drummond de Andrade nasceu em Minas Gerais, na cidade de Itabira, em 31 de outubro de 1902. Fez lá seus primeiros estudos e em 1918 se mudou para Friburgo e passou a estudar no internato do Colégio Anchieta, após um ano fora expulso devido a um desentendimento com o professor de Português. Ao ter 18 anos, passa a morar com a família em Belo Horizonte, e no ano seguinte fez amizade com jovens boêmios com quem lançou o Modernismo em Minas Gerais após três anos e foi nessa época que iniciou o curso de Farmácia, em vista da exigência do diploma por parte dos pais.
Em 1924, havia escrito uma carta para Manuel Bandeira demonstrando admiração pelo mesmo, e junto com os intelectuais mineiros recebeu os modernistas vindos de São Paulo e Rio de Janeiro, desde então manteve contato com Mário de Andrade até a morte do mesmo. No ano seguinte casou-se com Dolores e terminou o curso, mas nunca exerceu a função e passa a lecionar Português e Geografia na sua cidade natal.
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Novamente retorna a Belo Horizonte trabalhando como redator-chefe do “Diário de Minas”. E no mesmo ano do nascimento de sua filha Maria Julieta, em 1928, publica o poema “No Meio do Caminho” causando polêmica em vista da utilização de inovações formais e técnicas de reiteração. Passou a trabalhar apenas em algumas publicações especiais do Estado de Minas Gerais.
Trabalhou como chefe de gabinete do Ministro da Educação e Saúde Pública quando se mudou para o Rio de Janeiro em 1934. A partir de então, veio a ter três trabalhos: funcionário público, cronista e poeta. Segundo ele o primeiro para sustento de sua família, o segundo por obrigação e o último por vocação.
Com a morte de sua filha Maria Julieta devido a um câncer em 1987, não suportou a perda e faleceu após doze dias do ocorrido.
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Características
Foi o primeiro grande poeta pós-movimento modernista, tendo seu livro “Alguma Poesia” como marco da poesia da 2ª Fase Modernista. Também foi considerado o maior poeta brasileiro do século XX, sendo indicado várias vezes para ganhar o Prêmio, porém, segundo críticos, não chegou a ganhar pelo fato de a Língua Portuguesa não ser conhecida.
Não apenas escreveu poesia, mas também prosa, esta tendo como principais características a riqueza e expressividade da linguagem, com um toque de senso de humor, o mesmo ocorria em suas poesias. Sua obra poética é bastante vasta e complexa.
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Foi convidado a organizar uma antologia de suas obras em 1962, dividindo-as em nove seções, cada seção representando determinado tema como observa-se abaixo:
1. “Um eu todo retorcido”
Representando o indivíduo, relata um eterno conflito entre o eu e o social, buscando situar-se como indivíduo e solucionar suas contradições. A complexidade presente no indivíduo é perceptível na utilização de palavras como: retorcido, curvo, torto.
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Poema de Sete Faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai Carlos! ser gauche na vida.As casas aspiram os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
Não perguntam nada.O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.Mundo mundo vasto mundo,
se eu chamaste Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.Mundo mundo vasto mundo,
Mais vasto é meu coração.Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido feito o diabo.
2. “Uma província: esta”
Referindo-se à sua cidade natal, Itabira, aborda temas de saudades e vivências relacionados ao espaço da infância e adolescência, abordando a vida monótona e feliz da província.
Confidências de um Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
3. “A família que me dei”
Aborda poesias, cujo tema é a família, principalmente o pai. Tem o passado, incluindo a terra que vivera e sua família, como algo fundamental para compreender o presente.
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acabava mais.No meio dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longe da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.Minha mãe ficara em casa cosendo
Olhando para mim:
– Psiu… Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro… que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.E eu não sabia que a minha história
era mais bonita que a de Robinson Crosoé.
4. “Cantar de Amigos”
Reúne poemas que homenageiam amigos do poeta, como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Jorge de Lima, ou aqueles que conheceu apenas pelas obras, como Fernando Pessoa e Charles Chaplin.
Política Literária
O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
5. “Amar-amaro”
Os poemas tratam do choque social, o conflito: “eu X mundo”, reunindo versos sociais de grande expressão.
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre ele, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
6. “Uma, duas argolinhas”
Neste caso, o tema principal dos poemas é o descobrimento amoroso. Trata o amor como algo vinculado ao desejo sexual, algo que não se pode fugir. Pode dar uma dimensão trágica a esse amor, ou simplismente banalizá-lo.
Quero me casar
Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.Depressa, que o amor
não pode esperar!
7. “Poesia contemplada”
A poesia passa por um processo de metalinguagem, em que o tema principal é o próprio fazer poético.
Poesia
No entanto ele está cá dentro
Inquieto, vivo.
Ele está cá dentro e
Não quer sair.
Mas a poesia deste momento
Inunda minha vida inteira.
8. “Na praça de convites”
Aborda poesias em que o foco está nos experimentos formais e nos jogos lúdicos com a palavra.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
9. “Tentativa de exploração e de interpretação do estar no mundo”
Reúne poesias, cujo objetivo é expressar uma visão ou tentativa de existência, buscando um sentindo para a precariedade da vida.
Cerâmica
Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
Ela nos espia do aparador.
Principais Obras
1930: Alguma Poesia
1934: Brejo das Almas
1940: Sentimento do Mundo
1942: José, publicado em poesias
1945: A Rosa do Povo
1948: Novos Poemas
1951: Claro Enigma
1954: Fazendeiro do Ar
1955: A Vida Passada a Limpo
1962: Lição de Coisas
1968: Boitempo & A Falta que Ama
1973: As Impurezas do Branco
1973: Menino Antigo
1977: Discurso de Primavera e Algumas Sombras
1979: Esquecer para Lembrar
1980: A Paixão Medida
1984: Corpo
1985: Amar Se Aprende Amando
1988: Poesia Errante
1992: O Amor Natural
1996: Farewell
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